1. Introdução
O bairro do Alto-Maé “A” localiza-se na Cidade Maputo (Moçambique) concretamente no distrito Municipal Kampfumo. Os primeiros habitantes deste bairro foram os colonos de origem portuguesa e depois da Independência de Moçambique (25/06/1975), grande parte desses habitantes tiveram que abandonar as suas casas, deixando-as nas mãos do novo governo dirigido pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). De certo modo, o acesso habitação apresenta facetas diferentes no período antes e depois da Independência e a seguir ao início das diversas estratégias de aquisição de imóveis em Moçambique. Depois da independência era mais simples de se adquirir uma casa nesta zona urbana comparando com os dias de hoje que, está cada vez mais difícil de se adquirir uma casa no meio urbano. Salientar que após a independência, moradores do Alto-Maé “A” e arredores (subúrbios), com facilidade conseguiam obter uma casa neste bairro e outros a nível da Cidade de Maputo, o que actualmente é um sonho no verdadeiro sentido. Devido a concentração de serviços no meio urbano e também devido a falta de meios financeiros para a compra ou construção duma habitação condigna para os jovens actuais, muitos deles acabam por permanecer em casa dos pais ou mesmo acabam por construir casas em cima dos prédios (terraços), quebrando assim as regras de estrutura urbana. É neste sentido que surge o tema Mudança de Concepções Sobre o Acesso a Habitação no Alto-Maé “A”, Maputo (Moz) no âmbito do programa History Dialogues Project (HDP). O objectivo geral desta pesquisa é comparar o acesso a habitação no período de 1976 até o fim do século XX com o acesso a habitação na actualidade. Assim sendo, naturalmente que o objectivo específico é entrevistar os diversos personagens que adquiriram as suas casas logo após a Independência de Moçambique, bem como analisar o motivo que faz com que os jovens de hoje construam nos terraços ou permaneçam em casa dos seus pais. A pergunta que pretende-se responder é: quais são as mudanças de concepções sobre o acesso a habitação no Alto-Maé “A”?
Por conseguinte, a primeira hipótese refere que no período de 1976 até o fim do século XX, era mais fácil de se adquirir uma habitação no meio urbano, uma vez que os colonos acabavam de abandonar as suas habitações e por esse motivo que os jovens da época tinha até a oportunidade de escolher em qual flat/casa habitar. A segunda hitpótese refere que os jovens actuais tem mais dificuldades em obter uma casa no meio urbano devido a falta de meios financeiros, ou mesmo que tenham os meios, pelo facto de optarem em permanecer no meio urbano por estarem próximos de todos serviços pretendidos e não desejarem sair da Cidade. Em relação a metodologia para a realização desta pesquisa, tive constragimentos para conseguir o mínimo de entrevistas pretendidas. Isto deveu-se as restrições impostas pelos Decretos presidenciais com vista a fazer face ao Covid 19. O mesmo aconteceu com a busca de informação em bibliotecas e arquivos.
De qualquer modo, entrevistei 7 pessoas de idades e gêneros diferentes. Vários dados foram recolhidos na base de entrevistas elaboradas de uma forma coerente aos moradores do bairro que tenham adquirido habitação depois da independência até finais do século XX, salientar que foram selecionadas pessoas idóneas para o efeito. Relativamente as fontes escritas, pude consultar diverso material bibliográfico disponível em bibliotecas virtuais adicionando alguma informação relevante partilhada por Johanna Wetzel, uma vez que as bibliotecas e arquivos físicos encontravam-se encerrados ou com acesso bastante limitado. Assim sendo, a elaboração deste artigo privilegiou a análise de informações obtidas a partir das entrevistas, cruzando com os dados bibliográficos obtidos nos documentos em PDF com vista a fazer a construção teórica da pesquisa. Quanto a estrutura do texto, em primeiro lugar apresento uma contextualização e a localização geográfica do bairro Alto-Maé “A” com vista a situar o assunto no tempo e no espaço. De seguida, apresenta-se o capítulo sobre o acesso a habitação no Alto-Maé “A” a partir de 1976 até finais do século XX. Depois segue o capítulo sobre o acesso a habitação nos dias de hoje. Por último apresento as conclusões sobre esta pesquisa.
2. Contextualização e Localização Geográfica
O bairro do Alto-Maé “A” existe desde os finais do século XIX com a demarcação oficial da cidade de Lourenço Marques pelo Decreto Provincial nº 33, de 20 de Abril de 1895 1. Durante muito tempo o bairro (assim como em todo Lourenço Marques) era habitado por colonos brancos e nesta época a população estava distribuída por sexo e idade, sendo predominantemente os adultos jovens do sexo masculino (20-34 anos) que tradicionalmente estavam sujeitos a intensos movimentos migratórios, enquanto que a do sexo feminino era de característica habitual do tipo estacionário 2
Portanto, esta situação prevaleceu até um pouco depois dos Acordos de Lusaka (07/09/1974) e logo a seguir iniciou o governo de transição que culminou com a passagem de pastas do governo colonial português para a FRELIMO. Depois da proclamação da Independência Nacional em 25/06/1975, o novo governo iniciou com medidas que tinham em vista restabelecer todos direitos que tinha sidos negados ao povo moçambicano. É neste contexto que iniciou o processo das nacionalizações. Com esse fim, em 24 de Julho de 1975, o governo declarou a nacionalização da Saúde, da Educação e da Justiça e, em 1976, das casas de rendimento, ou seja, qualquer moçambicano ou estrangeiro residente passou a ter direito a ser proprietário duma casa para habitação, mas perdeu o direito a arrendar casas de habitação a outrem. O governo assumiu a gestão das casas que estavam arrendadas nessa altura, formando para isso uma empresa denominada Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) 3 Como consequência da criação da APIE, procedeu-se a nacionalização dos imóveis através do Decreto-Lei n.º 5/76, de 5 de Fevereiro que diz o seguinte:
- A propriedade sobre os imóveis pertencentes a estrangeiros que não tinham domicílio em Moçambique;
- A propriedade sobre os imóveis pertencentes a moçambicanos residentes no estrangeiro e que não se encontrassem ao serviço do país ou que não estivessem devidamente autorizados pelas autoridades competentes a residir no estrangeiro e não requeressem a referida autorização no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da publicação deste Decreto-Lei;
- A propriedade sobre imóveis pertencentes a pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras; e
- As acções ou partes sociais em sociedades imobiliárias de estrangeiros não residentes em Moçambique 4
Foi neste contexto que vários dos entrevistados por mim conseguiram obter as casas no bairro do Alto-Maé “A” e apesar do processo ter sido diferente para todos, no fim a APIE é que alugou e depois vendeu as casas para a maioria dos entrevistados. Quanto a localização geográfica, o bairro do Alto-Maé “A” encontra-se na Cidade Maputo, concretamente no Distrito Municipal Kampfumo entre as Avenidas Amhed Sekou Touré, a Sul do bairro Alto-Maé “B”, Avenida Momed Siad Bare e Avenida Eduardo Mondlane. A Este com a Rua da Tanzania, a Norte com a Avenida Marien Ngoabi fazendo fronteira com o bairro da Mafalala e a Oeste a Avenida Guerra Popular fazendo fronteira com o bairro Central “A”, terminando na Avenida Ahmed Sekou Touré. Este bairro é constituído por 34 quarteirões e conta com cerca de 6527 (seis mil quinhentos e vinte e sete) habitantes de acordo com os resultados do último senso da população e habitação realizado de 1 a 15 de Agosto de 2017 5.
3. O Acesso a Habitação no Alto-Maé “A” a partir de 1976 até finais do Século XX
Uma descoberta interessante que saiu da minha pesquisa é que a partir das nacionalizações de 24 de Julho de 1976, os jovens desta época com muita facilidade conseguiram ter acesso a uma habitação no bairro Alto-Maé “A”. Por exemplo, o Sr. Abel Cassamo que é professor aposentado, disse em entrevista que na altura não era complicado adquirir uma casa, basta-se meter uma carta ao APIE manifestando interesse em adquirir uma casa. “Depois de 6 meses, a APIE prontificou-se a mostrar as casas até que optei por viver na casa onde vivo até os dias de hoje”. De seguida ele alugou a casa por cerca de 1 ano até que iniciou o processo de alienação para a compra da casa 6 O Sr. Estevão Valoi, médico aposentado também afirma o mesmo e descreveu o processo de aquisição da sua casa como não sendo complicado, o entrevistado disse que “em Setembro de 1976 vi a necessidade de adquirir uma casa e por isso que comecei a procurar casas na Cidade Maputo. A primeira casa que identifiquei localiza-se na Fundação Salazar, mas em conversa com um amigo, identifiquei outra casa no bairro Alto-Maé “A” e fui a APIE para pedir as chaves da casa” 7. Logo a seguir iniciou o processo de arrendamento e de seguida a compra da casa. A Sra. Paula Harris que desde cedo teve oportunidades de emprego, natural da província da Zambézia, chegou na Cidade de Maputo em 1976. Ela fez menção que não foi logo que adquiriu a casa no Alto-Maé “A” porque primeiro viveu com os tios na Avenida Ho-Chi-Min. Entretanto, adquiriu a sua actual casa em 1980 quando nasceu a sua primeira filha. O processo para a aquisição da mesma é semelhante a do Sr. Cassamo e Sr. Valoi, pois teve que arrendar e depois comprar a casa na APIE 8 Há um aspecto interessante que chamou-me atenção e que nos dias actuais é praticamente impossível de acontecer. O facto é que ao longo da entrevista com a Sra Paula Harris, ela afirmou que “ofereci uma casa a uma amiga e outra casa a uma tia”. Ambas casas localizam-se no Alto-Maé “A”. Ela disse que na altura não se vendia casas (já estava estabelecido por lei) e que ofereceu porque não teria capacidade de gerir tantas casas sozinha. Entretanto, deixou claro que:
“nos dias de hoje não ofereceria a sua casa a ninguém, pois actualmente as coisas estão cada vez mais difícies” 9
Tem se notado que nos dias actuais há uma grande disputa pela posse de casas quando os casais separam-se, mas notei algo curioso na entrevista tida com a Sra Josefina António dos Santos. O facto é que ela teve complicações no seu casamento e por isso que houve separação com o seu primeiro marido, mas ambos viviam na mesma casa. Assim sendo, alguém tinha de sair da casa para que a separação se efectivasse. Só que em vez de ser o marido a sair da casa, a Sra. Josefina decidiu sair e em pouco tempo conseguiu adquirir a sua casa no Alto-Maé “A” 10 A Sra. Josefina teve como maior sonho ter 5 filhos e mesmo depois da separação com o seu primeiro marido, ela continuou com o sonho, pois ainda tinha somente 3. Sabendo que não poderia continuar com o sonho na casa que vivia com o então marido, decidiu sair da Zona Militar e procurar outra habitação. A Senhora Josefina descreveu o processo de aquisição da sua casa no Alto-Maé “A” da seguinte forma:
Sim, eu quando me separei com o pai dos meus filhos, eu já vivia na Zona Militar, onde quando me casei entrei lá. Por acaso, ele tinha direito de casa pela responsabilidade que ele tinha. O Estado dava-lhe casa. Eu também pela responsabilidade que tinha, também tinha direito de casa, mas nós já estávamos casados. Eu disse, sabe, nós africanos, quando um Homem vai em casa duma Mulher, dão nomes, é melhor eu que sou tua Mulher ir na tua casa, é normal para o africano (…). Mas quando nos separamos, eu tinha direito de ficar com a casa de acordo com o Tribunal com os filhos que tinha. Só que eu calei-me quando o Juíz falou isso e deram-lhe 90 dias para ele se organizar e sair de casa. Ficamos uma semana, eu a refletir bem, fazer retiro de mim para comigo. Então eu disse a ele, amanhã eu vou ao tribunal para dizer ao Juíz que quero que você fique com a casa, te ofereço a casa porque você não tem onde viver. De seguida fui para APIE, fui fazer a minha exposição nas calmas e disseram de que, venha no dia X para eu poder ver as casas. Depois voltei e um técnico saiu comigo para ver uma casa do 2º andar no prédio São João (do Alto-Maé “A”), comprei a casa. Depois vim aqui onde estou a viver até os dias hoje. Portanto, assinei o contrato dessas 2 casas no Alto-Maé “A”, isto nos anos 80 do século passado. (JOSEFINA, 2021).
Analisando o posicionamento da Sra Josefina é possível notar que, mesmo abandonando uma casa por qualquer motivo que fosse, obter uma ou várias casas era simples. Outro aspecto curioso é o facto de todos esses jovens terem alguma profissão o que lhes permitia custear as despesas de aluguer e depois compra. Entretanto, “os critérios para a seleção de moradias, bem como das pessoas que seriam elegíveis para aluguer, não eram claras nem transparentes. Isto aliado à falta de capacidade institucional da APIE que levou a uma rápida degradação das condições dos imóveis” [ 11. HOLZ, Evandro. Moçambique: Perfil de Habitação. IN: www.unhabitat.org. Acessado em 08 de Setembro de 2021 pelas 16h, p. 27.] Em relação a conservação dos imóveis, nota-se que actualmente algumas habitações estão em estado avançado de destruição a nível do bairro. Algumas pessoas que vinham de zonas rurais ou mesmo de zonas suburbanas levaram com elas alguns hábitos que não são próprios para praticar em flats. Pergutando a Sra Josefina, o Sr Valoi e o Sr Cassamo de que maneira é que faziam a manuntenção de suas casas, eles responderam que a APIE ajudava na manuntenção do prédio, mas a manuntenção das flats dependia do proprietário. Só que eles são unânimes em afirmar que algumas pessoas pilavam nas casas ou até retiravam água nas sanitas para o consumo. A partir de 1990 com a lei nº5/91, começou o processo de liberalização do mercado imobiliário e deste modo a APIE alienou vários imóveis para os seus arrendatários 11 Foi neste contexto que 2 dos meus entrevistados adquiriram as suas casas. Por exemplo, o Sr. Cândido Destino David de 62 anos de idade, montador gráfico de profissão, disse que “comprei a minha casa em prestações na APIE e em 1992/3 iniciou o processo de preparação do título de propriedade para a conclusão da compra” 12 Por outro lado o Sr. João David Muthombene, escriturário, refere que comprou a casa com um valor doado em 1992, ele salientou que “comprei directamente dos proprietários, fui um Homem bastante abençoado” 13 Como é possível notar, os primeiros indícios de mudanças iniciaram logo após a publicação da lei nº5/91. Esta lei permitiu que os interessados pudessem comprar as casas sem ser necessário arrendar e ao mesmo tempo, permitiu que os proprietários das residências pudessem vender a quem quisessem. Nos dias actuais, podemos considerar que a APIE não tem autoridade sobre a gestão das casas em Moçambique. Até 1995 as casas foram sendo ocupadas e na medida que a Cidade de Maputo ia sendo povoada, existiam jovens que não tinha capacidade de custear as despesas de permancecer numa no meio urbano. Foi assim que neste ano viu-se a necessidade de criar o Fundo para o Fomento para à Habitação (FFH) 14 com o objectivo de promover habitação aos grupos de menores recursos e jovens casais em diversas regiões da Província de Maputo. Entretanto, passados 10 anos (2005) de actividade o FFH estava diante de problemas que comprometiam a sua continuidade. O facto é que os grupos alvos (jovens de baixa renda), aceder as linhas de crédito criadas ou as condições mínimas exigidas 15 Passados 5 anos, foi estabelecido o “Decreto n.º 65/2010 de 31 de Dezembro, publicado em 2010 que anunciava uma viragem política estratégica. O FFH passaria a abranger diferentes domínios da promoção da habitação e a priorizar uma hipotética a classe média nacional” 16 Importa referir que após a reforma do FFH, ficou claro que não seriam todos jovens a serem abrangidos pela política estratégica de acesso a habitação. De acordo com Agostinho Machava, a partir de 2011 o FFH tinha em vista impulsionar a indústria de habitação com vista a responder ao défice de casas condígnas em Moçambique, mas esta estratégia não abrangia milhões de jovens provenientes de famílias de baixa renda 17 Como pode-se notar nos trechos das entrevistas acima, os jovens dos anos que seguiram a Independência Nacional até finais do século XX – com facilidade conseguiam adquirir uma casa e os valores eram bastante acessíveis. Por exemplo, o Sr Cassamo comprou a sua casa por 15 mil meticias. Outro aspecto reside no facto de todos eles terem tido oportunidades de emprego como muita facilidade como os mesmos afirmam.
4. O Acesso a Habitação no Alto-Maé “A” nos dias Actuais
Fazendo uma comparação com os dias actuais, nota-se uma grande diferença no acesso a habitação logo após a independência. Por exemplo, recentemente foram inaugorados “64 novos apartamentos para jovens construídos no condomínio Zintava, no distrito de Marracuene, província de Maputo onde o 1º Ministro de Moçambique Carlos Agostinho do Rosário afirmou que “estamos cientes de que o desafio no sector de habitação é enorme, pelo que continuaremos a envidar esforços para a mobilização de recursos para a prossecução de projectos de fomento de habitação a custos acessíveis” 18 Essas 64 casas devem ser amortizáveis num período de 20 anos à prestação mensal de 16.900 meticais e 19.373 meticais. Analisando a tabela salarial abaixo (válido até Setembro de 2021), é possível notar que estas 64 casas são destinadas aos jovens pertecentes a classe média que são a minoria na Cidade de Maputo.
Nota-se aqui que a estratégia do governo tem defeitos sérios e ao mesmo tempo não é inclusiva. Aliás, mesmo os jovens que aderem as iniciativas do governo represantado pelo FFH tem dificuldades em custear as despesas a longo prazo, por esse motivo que o 1º Ministro disse o seguinte: “queremos lançar o repto aos mutuários para que o mais rápido possível possam honrar com os seus compromissos, sob pena de avançar-mos para medidas que nada irão dignificá-los, porque é com este valor que pretendemos apoiar outros moçambicanos que estão num escalão baixo e nós temos a responsabilidade de prover casas a essas pessoas” 19 Em Moçambique é proíbido por lei a venda de terra, mas é comum qualquer indivíduo decidir vender o seu terreno e quanto mais próximo da Cidade, maior o custo do terreno e quanto mais distante, o custo também reduz. Todos entrevistados que obtiveram as suas casas logo após a Independência são unânimes em afirmar que os jovens actuais devem construir nesses locais longíquos. Entretanto, invocam-se outros problemas que surgem aquando da construção em locais distantes. Por exemplo, os jovens quando vão construir em bairros como Santa Isabel, eles erguem habitações, ou seja, há poucos serviços existentes nesses bairros. Por isso que nos dias úteis é comum verificar-se um grande congestionamento nas horas de ponta porque os serviços essenciais como Bancos, Hospitais, Escolas, Locais de Lazer, encontram -se concentrados na Cidade Maputo. Quer dizer, os serviços estão centralizados e nas zonas distantes encontram-se somente habitações e não há iniciativas para a expansão de serviços para estes locais. Apesar de actualmente as coisas terem uma tendência a melhorar, durante muito tempo o custo do material para a construção foi bastante elevado. Por exemplo, o Jornal a Carta de Moçambique partilhou a notícia de que “têm-se verificado a subida galopante do preço de cimento de construção, que chega a ser comercializado a 720 Meticais, o saco de 50 Kg. Entretanto, entre os dias 05 e 11 de Janeiro do ano corrente, constatou-se que, à boca da fábrica, o saco de cimento de 50 Kg é comercializado entre 445 e 465 Meticais, representando uma diferença de quase 255 Meticais” 20 Este é um factor que faz com que vários jovens no Alto-Maé “A” permaneçam em casa dos pais. Entretanto, recentemente inaugorou-se a fábrica de cimento denominada Dugongo e esta tem preços muito baixos em relação aos anteriores. Em entrevista informal, alguns jovens disseram que não tem capacidade financeira para construir uma casa e que preferem manter-se em casa dos pais até que estejam organizados. Outros jovens são unânimes em afirmar que sair da Cidade não é viável nos dias actuais. Uma vez que todos serviços encontram-se centralizados na Cidade de Maputo. Daí que surgem as construções nos terraços e muita das vezes com o apoio dos pais. Apesar da maioria dos entrevistados considerar que ter uma casa não é sinónimo de atingir a fase adulta, todos concordam que ter uma casa própria é algo que deve-se conquistar. Mas é importante ter em conta o facto de termos alguns jovens que sentem-se confortáveis vivendo com os pais e esses preferem usar o dinheiro para satisfazer momentos de lazer. Daí que seria importante recordar a música do Dj Ardiles que refere o seguinte: “uma cerveja, um bloco”. A Sra Josefina fez menção a um aspecto interessante quando disse que “numa casa onde o filho ainda vive em casa dos pais, depois contrai matrimónio e vive com a esposa e filhos na casa dos pais, fica difícil da esposa do filho ter uma autoridade dentro da casa. Por exemplo, se ela quiser pão, ela não pode falar com o sogro, tem que falar com o marido mesmo sabendo que ele não tem dinheiro. Ao mesmo tempo, o filho não pode andar sem camisa dentro da casa do pai porque não é o Homem da casa”. Na realidade, mesmo que os pais aceitem que os filhos jovens e casados permaneçam nas suas casas, fica claro que em várias situações esses filhos sentirão que não estão emancipados. A imagem abaixo ilustra a situação das casas nos terraços e é possível notar que estas habitações não obedecem nenhum critério arquitectónico.
Importa referir que não são todos jovens que optam por ficar em casa dos pais ou constroem nos terraços. Alguns jovens, principalmente os que vem de outras províncias, optam por solicitar empréstimos nos Bancos para comprar casas no Alto-Maé “A”. Em entrevista, o jovem Terêncio Remígio Macane, técnico de informátia de 32 anos de idade disse que “comprei a minha casa através dum empréstimo bancário em 2019” 21. O mesmo refere que os jovens actuais tem optado em comprar terrenos nos bairros em expansão para poderem fazer as suas próprias casas, um vez que a nível da Cidade e em particular no Alto-Maé “A”, está custoso adquirir uma habitação.
5. Conclusão
Tentando entender a história da juventude em Moçambique, é importante ter em mente as Mudanças de Concepções Sobre o Acesso a Habitação no Alto-Maé “A”, Maputo (Moz). As condições para adquirir uma casa no período de 1975 até finais do século XX são muito diferentes para a geração dos anos que seguiram o início do século XXI, com uma diferença considerável. Os proprietários das casas a nível do Alto-Maé “A” actualmente, são na sua maioria aqueles que logo após as nacionalizações conseguiram com facilidade adquirir as suas habitações. Importa referir que os jovens actuais tem comprado casas desses proprietários, mas a fonte do dinheiro é muitas das vezes as instituições bancárias que facilitam o crédito. Aqueles jovens que não tem facilidades de crédito para a habitação, optam por continuar em casa dos pais ou então preferem construir casas nos terraços. Aludir que as construções nos terraços tornaram-se um fenómeno a nível do bairro e em outros bairros da Cidade de Maputo. Diversas são as estratégias desencadeadas pelo governo para fazer face ao problema do acesso a habitação a nível nacional. A título de exemplo, temos o caso das casas de Zintava que foram inaugoradas recentemente. Porém, os jovens de baixa renda não tem ou dificilmente terão a capacidade de custear as despesas de pagamento das prestações, pois estão acima dos valores estabelecidos para os salários mínimos em Moçambique.
6. Referências bibliográficas
1. ASSOCIADOS – Henriques, Rocha. Da proibição de Alienação de Imóveis a Estrangeiros. IN: www.hrlegalcircle.com. Acessado em 08/09/2021 pelas 18h.
2. BRITO, Luís de. A FRELIMO, o Marxismo e a Construção do Estado Nacional, 1962-1983. Maputo: Kapicua, 2019, pp. 104-106.
3. CARTA DE MOÇAMBIQUE. Preço de Cimento dispara em Maputo. IN: Preço do cimento dispara em Maputo (cartamz.com). Acessado em 14/09/2021 pelas 14h30min
4. HOLZ, Evandro. Moçambique: Perfil de Habitação. IN: www.unhabitat.org. Acessado em 08 de Setembro de 2021 pelas 16h, pp. 27-28.
5. JORGE, Sílvia; TIQUE, João. Fundo para o Fomento à Habitação de Quem? Análise do seu Impacto a partir do Caso da Área Metropolitana de Maputo, Moçambique. IN: http://revistas.rcaap.pt/cct/. Acessado em 07 de Setembro de 2021 pelas 14h, pp. 2010 – 216.
6. Jornal Notícias. Fomento de Habitação: Aposta é continuar a mobilizar recursos. 11 de Setembro de 2021, p. 1.
7. MACHAVA, Agostinho. Acesso à Habitação em Moçambique: Até quando este “teatro” vergonhoso do Governo perante o sofrimento dos jovens que não têm acesso à habitação? IN: www.cddmoz.org. Maputo: Centro de Democracia e Desenvolvimento, 02 de Julho, 2020, pp. 1-2.
8. NORONHA, Eduardo. O distrito de Lourenço Marques e a África do Sul, Lisboa: Imprensa Nacional, 1895.
9. SANTOS REIS, Carlos. A população de Lourenço Marques em 1894: um censo inédito, Lisboa: Instituto Nacional de Estatística. 1973, p. 73.
10. Secretaria do Bairro do Alto-Maé “A”. Relatório das Actividades Desenvolvidas no Bairro do Alto-Maé “A” desde Janeiro a Março de 2021. Maputo: Secretaria do Bairro, 2021, pp. 4.
7. Entrevistas
1. CASSAMO, Abel (60 anos de idade). Entrevistado no dia 07 de Julho na Cidade Maputo, Alto-Maé “A”.
2. DAVID, Cândido Destino (62 anos de idade). Entrevistado no dia 23 de Julho de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”.
3. HARRIS, Paula (65 anos de idade). Entrevistada no dia 02 de Semtembro de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”.
4. MACANE, Terêncio Remígio (32 anos de idade). Entrevistado no dia 14/09/2021 via Whatsapp.
5. MUTHOMBENE, João David (65 anos de idade). Entrevistado no dia 6 de Setembro de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”.
6. SANTOS, Josefina António dos (65 anos de idade). Entrevistada no dia 17 de Julho de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”.
7. VALOI, Estevão (80 anos de idade). Entrevistado no dia 09 de Julho de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”.
- NORONHA, Eduardo. O distrito de Lourenço Marques e a África do Sul, Lisboa: Imprensa Nacional, 1895. ↩
- SANTOS REIS, Carlos. A população de Lourenço Marques em 1894: um censo inédito, Lisboa: Instituto Nacional de Estatística. 1973, p. 73 ↩
- BRITO, Luís de. A FRELIMO, o Marxismo e a Construção do Estado Nacional, 1962-1983. Maputo: Kapicua, 2019, pp. 104-106 ↩
- ASSOCIADOS – Henriques, Rocha. Da proibição de Alienação de Imóveis a Estrangeiros. IN: www.hrlegalcircle.com. Acessado em 08/09/2021 pelas 18h. ↩
- Secretaria do Bairro do Alto-Maé “A”. Relatório das Actividades Desenvolvidas no Bairro do Alto-Maé “A” desde Janeiro a Março de 2021. Maputo: Secretaria do Bairro, 2021, pp. 4 ↩
- CASSAMO, Abel (60 anos de idade). Entrevistado no dia 07 de Julho na Cidade Maputo, Alto-Maé “A”. ↩
- VALOI, Estevão (80 anos de idade). Entrevistado no dia 09 de Julho de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A” ↩
- HARRIS, Paula (65 anos de idade). Entrevistada no dia 02 de Setembro de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”. ↩
- ibid ↩
- SANTOS, Josefina António dos (65 anos de idade). Entrevistada no dia 17 de Julho de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”. ↩
- Ibid, pp. 27-28 ↩
- DAVID, Cândido Destino (62 anos de idade). Entrevistado no dia 23 de Julho de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”. ↩
- MUTHOMBENE, João David (65 anos de idade). Entrevistado no dia 6 de Setembro de 2021 na Cidade de Maputo, Alto-Maé “A”. ↩
- JORGE, Sílvia; TIQUE, João. Fundo para o Fomento à Habitação de Quem? Análise do seu Impacto a partir do Caso d Área Metropolitana de Maputo, Moçambique. IN: http://revistas.rcaap.pt/cct/. Acessado em 07 de Setembro de 2021 pelas 14h, p. 210 ↩
- Ibid, p. 216 ↩
- Ibid, p. 216 ↩
- MACHAVA, Agostinho. Acesso à Habitação em Moçambique: Até quando este “teatro” vergonhoso do Governo perante o sofrimento dos jovens que não têm acesso à habitação? IN: www.cddmoz.org. Maputo: Centro de Democracia e Desenvolvimento, 02 de Julho, 2020, pp. 1-2 ↩
- Jornal Notícias. Fomento de Habitação: Aposta é continuar a mobilizar recursos. 11 de Setembro de 2021, p. 1. ↩
- Ibid ↩
- Carta de Moçambique. Preço do cimento dispara em Maputo. IN: Preço do cimento dispara em Maputo (cartamz.com). Acessado em 14/09/2021 ↩
- MACANE, Terêncio Remígio (32 anos de idade). Entrevistado no dia 14/09/2021 via Whatsapp ↩
Obrigado António Magaia.
Apreciei o texto e é muito interessante, de facto, com a situação económica que o país se encontra actualmente e a elevada procura por habitação que consequentemente contribui para o aumento do preço das flats, torna-se praticamente impossível para um jovem adquirir uma casa na cidade e um outro dado importante não referido no texto, é que muitos proprietários de flats, optam por arrendar como forma de fazer face ao custo elevado de vida.
Obrigado Raimundo.
Apreciei bastante a pesquisa, reflecte a realidade dos nossos dias e o drama de habitacao para a juventude, Parabens pela pesquisa Michael Juma